Sousa Martins não é só nome de médico. Há
quem diga que é santo e opera milagres. Amigo dos pobres, desamparados
e doentes, a vida do médico deu origem a um extraordinário culto no
País. Em Lisboa ou na Guarda, as suas estátuas são visitadas
diariamente por devotos que ali depositam flores, objectos em cera e
velas. Para eles, Sousa Martins já não é o médico. É o irmão que
concede graças, o santo que ameniza a dor e o amigo que socorre os que
depositam esperança na sua intervenção divina.
Nasceu em Alhandra em 1843 e, ainda bastante jovem, veio para Lisboa.
Empregou-se como marçano na Farmácia Ultramarina, propriedade de um
tio, que ainda hoje existe, na Rua de S. Paulo, em Lisboa. Para ajudar
os mais carenciados, tornou-se exímio manipulador de produtos
naturais. De praticante de farmácia chegou a farmacêutico. A sua
inteligência e vontade de ajudar o semelhante levaram-no a tirar o
curso de Medicina. Em poucos anos tornou-se um dos vultos marcantes do
século XIX.
Cientista prestigiado, desfrutou de projecção internacional pelo
estudo da tuberculose e das doenças nervosas. Afirmou-se “progressista
e ‘maçon’”. Solteiro, dedicou-se à medicina, física, química,
botânica, zoologia, cirurgia, literatura, poesia, filosofia, história
e oratória. Defendeu a construção de sanatórios, afirmando que a zona
da serra da Estrela era propícia ao tratamento da tuberculose. Por
isso, o primeiro sanatório construído nas Penhas da Saúde, por
iniciativa de Alfredo César Henriques - o primeiro doente que, a
conselho de Sousa Martins, se curara na serra, inaugurado em 1907
pelos reis, D. Carlos e D. Amélia - se chamou Sanatório Sousa Martins.
A luta contra a tuberculose expunha-o à doença, nos contactos diários
e directos com os doentes terminais. Detinha-se junto deles, a
amenizar-lhes o medo. Muitos morreram de mãos entre as suas, alguns
viram-lhe auras estranhas sobre os cabelos. Uma dedicação que não
exigia nada de volta. Sousa Martins procurava na ternura dos outros o
seu sustento diário. Com a sua entrega absoluta aos doentes, amenizava
o precário mundo dos hospitais. Aos seus alunos dizia: “Quando
entrardes de noite num hospital e ouvirdes algum doente gemer,
aproximai-vos do seu leito, vede o que precisa o pobre enfermo e, se
não tiverdes mais nada para lhe dar, dai-lhe um sorriso.”
Atacado pela tuberculose, e querendo evitar o seu próprio sofrimento,
suicidou-se em 1897. Ao tomar conhecimento da sua morte, o rei D.
Carlos exclamou, emocionado: “Apagou-se a mais brilhante luz do meu
reinado.”
Os seus alunos veneravam-no, e mesmo depois da sua morte, as suas
lições, coligidas, eram referência obrigatória. Foi um professor
entusiasta, sem artifícios. Dele, referiu o prémio nobel Egas Moniz:
“Notável professor que deixou, atrás de si, um nome aureolado de
prelector admirável, de clínico, de orador consagrado, sempre alerta
nas justas da Sociedade das Ciências Médicas.” Pelas suas qualidades,
humanas e profissionais, Sousa Martins distinguiu-se no Portugal do
século XIX: “Eminente homem que radiou amor, encanto, esperança,
alegria e generosidade. Foi amigo, carinhoso e dedicado dos pobres e
dos poetas. A sua mão guiou. O seu coração perdoou. A sua boca
ensinou. Honrou a medicina portuguesa e todos os que nele procuraram
cura para os seus males”, definiu-o o escritor Guerra Junqueiro.